Coronavírus, o inimigo invisível, ameaça destruir carreiras políticas



A pandemia do coronavírus eclodiu como inimigo invisível da sociedade em todo o mundo e já provoca efeitos colaterais devastadores na política, uma vez que demanda ações prontas e eficazes de líderes e governantes, do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao prefeito Romero Rodrigues, de Campina Grande, na Paraíba. De um modo geral, os líderes que têm sob seus ombros a missão de agir proativamente em face da situação de calamidade estão, por assim dizer, se testando num desafio que não constava dos seus cronogramas. E o vírus não ameaça apenas a saúde de todos – também ameaça destruir carreiras políticas de expoentes que não estiverem à altura do enfrentamento da emergência.

O presidente Jair Bolsonaro já está irremediavelmente chamuscado no contexto desse contencioso não só porque minimizou a dimensão de gravidade do impacto do coronavírus mas também porque tem procurado acintosamente afrontar a Ciência, ignorar recomendações da Organização Mundial da Saúde e disseminar a própria instabilidade democrática num país fragilizado pela carência de estrutura para conviver com medidas profiláticas que neutralizem o avanço letal da covid-19. É um governante que não serve de exemplo nem mesmo para antigos aliados que, gradativamente, distanciam-se da sua órbita, saem do centro de gravitação em que ele opera, por ser contagiosa a postura errática na qual Bolsonaro persiste, de forma obsessiva e dogmática.

O coronavírus é o ponto fora da curva no horizonte político-administrativo, o fato novo indesejável, a excepcionalidade que ninguém queria. Já lançou nuvens sombrias sobre a realização de eleições municipais para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores no território nacional, marcadas para outubro. Em paralelo, fomenta uma queda de braço por parte de autoridades como o presidente da República para dispor de poderes ditatoriais, de exceção, a pretexto de promover o enfrentamento à doença. Essas questões estão sendo dirimidas no âmbito do Judiciário, que tem se pautado, no Brasil, dentro do figurino que lhe confere a Constituição, agindo simultaneamente como árbitro e como poder moderador para conter os excessos previsíveis e, sobretudo, os abusos imprevisíveis ou camuflados nos esconsos de gabinetes do poder.

A História é pedagógica do ponto de vista de desvendar que em situações atípicas ou de excepcionalidade há terreno fértil para a proliferação de tentações autoritárias por parte dos que se acham sabidos demais e que não possuem qualquer compromisso palpável com soluções de interesse público. Há muito dinheiro em jogo, que está sendo liberado às pressas, em históricas sessões remotas de Câmara e Senado, com rubrica para ampliação de leitos hospitalares, aquisição de equipamentos e remuneração de profissionais da Saúde que estão sendo aplaudidos em todo o mundo como os grandes heróis da tragédia contemporânea, diante do risco a que expõem suas vidas e as vidas de familiares, no esforço de guerra para salvar vítimas do inimigo invisível e insidioso. Num país carimbado pela tradição de desvio de recursos públicos, todo cuidado é pouco, toda a transparência é imperativa, para que não se facilite o desperdício ou a locupletação de dinheiro pelos espertinhos de sempre.

A constatação de que a sociedade brasileira tornou-se mais consciente e vigilante quanto à aplicação de verbas públicas abre um sinal de esperança de que, pelo menos, não haja farra em cima da desgraça generalizada, que atinge, principalmente, as camadas marginalizadas, excluídas do pacto social e econômico vigente nas últimas décadas no Brasil. Entenda-se por sociedade não apenas os segmentos representativos de categorias distintas, mas os organismos de investigação e controle que foram sendo enraizados, a exemplo dos Ministérios Públicos de variadas jurisdições e de entidades policiais especializadas em ações de desbaratamento de irregularidades, de pronta coibição de abusos e em medidas de coerção indispensáveis ao uso correto do dinheiro público.

Em certa medida, a indefinição sobre a realização de eleições este ano por causa da pandemia está inibindo orquestrações ou tentativas de aproveitamento da crise sanitária para o enriquecimento ilícito, o assalto ao erário, o culto aos caixas dois alimentados pelos esquemas de corrupção ativa e passiva, nos limites do que se conhece de escândalos que estão muito nítidos na consciência política brasileira. A Paraíba, mesmo, na Era Ricardo Coutinho, pagou um altíssimo preço pelo desmantelamento da estrutura de Saúde Pública para fins de enriquecimento pessoal. Não tivesse havido a hecatombe legada pelo socialismo tupiniquim dos “girassóis” paraibanos a estrutura de enfrentamento ao coronavírus estaria infinitamente mais ágil e mais eficiente. Faz-se, na realidade atual, o que é possível fazer dentro das condições de temperatura e pressão.

Quando a pandemia passar, muitas lições estarão aplicadas ao cotidiano das pessoas submetidas a medidas de isolamento social e segregadas nas relações afetivas como reflexo da estratégia de não espalhar o contágio, de não fazer vítimas entre figuras que nos são muito caras. Para os políticos, sobretudo para os espertinhos ou os sabidinhos demais, a grave crise que está sendo vivida impõe uma guinada radical nas posturas e nos discursos. A pandemia deixará patente que cada centavo que não é roubado dos cofres públicos tem o condão de salvar vidas preciosas. E, no tempo oportuno, iremos contar o número dos agentes políticos sobreviventes da tempestade que também destrói carreiras com velocidade inacreditável.

Nonato Guedes (OsGuedes)

Postar um comentário

0 Comentários