Como os 0,1% mais ricos veem a mídia (e por que isso importa)


 *Por Mark Coddington e Seth Lewis

Poucos assuntos cativaram críticos de jornalismo e estudiosos ao longo dos últimos 50 anos como a capacidade de indivíduos poderosos influenciarem a mídia. Grande parte da nossa atenção nesta área vai para políticos e proprietários de mídia, já que personagens como Donald Trump e Rupert Murdoch exibem sua capacidade de direcionar as prioridades da mídia em direção aos seus interesses. As pesquisas sobre influência política e de propriedade têm sido robusta durante décadas também.

O público muitas vezes fala sobre o papel dos super ricos de forma mais geral na construção de notícias, mas esse grupo é muito menos compreendido pelos estudiosos. Claro, existem várias das pessoas mais ricas em muitas sociedades que fazem seus sentimentos sobre a mídia bem conhecidos e, muitas vezes, eventualmente, trabalham para comprar ou apoiar financeiramente veículos de mídia (como Jeff Bezos, Elon Musk e Craig Newmark). Mas a grande maioria das pessoas mais ricas do mundo tende a manter suas opiniões sobre a mídia (e suas estratégias para isso) para si mesmos.

Então, como eles realmente interagem com a mídia? Dada a sua reticência, essa tem sido uma pergunta difícil para os estudiosos responderem. Mas 2 estudiosos finlandeses, Anu Kantola e Juho Vesa, nos deram alguns dos dados mais diretos sobre esta questão, em seu novo estudo no European Journal of Communication, “Silêncio dos ricos: como os 0,1% mais ricos evitam a mídia e recorrem a estratégias ocultas de defesa“.

Kantola e Vesa entrevistaram 90 das 5.000 pessoas mais ricas da Finlândia –os 0,1% mais ricos– usando registros fiscais e outros dados públicos para identificá-los. Eles se concentraram em 3 grupos de elites ricas: executivos de negócios, empresários e herdeiros.

Eles construíram seu estudo em torno do conceito de midiatização –uma ideia que tem sido especialmente popular nos estudos de notícias europeus ao longo da última década– que sustenta que o poder da mídia para moldar processos sociais e políticos está crescendo, exigindo atores públicos (como políticos e empresários) para adaptar seu comportamento a uma lógica de mídia. Em outras palavras, se a mídia administra cada vez mais o jogo, outros setores estão sendo forçados a mudar para jogar de acordo com suas regras.

Essa premissa parece implicar que os super ricos precisem usar cada vez mais a mídia para influenciar a sociedade. Mas Kantola e Vesa encontraram o oposto em ação. A maioria das pessoas entrevistadas permaneceu reservada para a mídia, expressando o desejo de permanecer invisível. Eles tendiam a ver a lógica da mídia como sensacionalista, motivado por cliques, politicamente hostil e tendencioso contra eles –em outras palavras, eles viram a mídia muito como o resto do público vê.

Mas, ao contrário do resto do público, eles não sentiam que precisavam da mídia para ver seus interesses prosperarem. Eles viram isso como irrelevante e inútil: “Eu não sei o que eu faria lá” e “não há necessidade de compartilhar nada com um grupo maior de pessoas em tudo” foram citações típicas. E talvez mais centralmente, eles viram os meios de comunicação como incontroláveis, com a maioria de seus possíveis efeitos fortemente negativos para eles, como escândalos políticos.

Em seu lugar, eles dependiam em grande parte da defesa direta para influenciar a política –chamando amigos bem colocados e servindo nos conselhos de grupos de lobby, em vez de apoiar campanhas de mídia. Houve exceções, é claro –notavelmente, executivos de empresas voltadas para o consumidor– mas essas eram raras.

Essas descobertas, argumentaram Kantola e Vesa, não minam a alegação básica da midiatização: essas elites ricas ainda viam os meios de comunicação como salientes e poderosos, e era por isso que eram tão cautelosos. Eles apenas viram seu poder se desenrolando de maneira negativa para eles. Na maioria dos casos, sua riqueza astronômica comprou-lhes não tanto a capacidade de manipular a mídia, mas o privilégio de ignorá-la.

O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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