Quem ganha com o fim da estabilidade no serviço público?

 

Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fala sobre
PEC da reforma administrativa. Najara Araujo/Câmara dos Deputados


O governo Bolsonaro apresentou na quinta-feira 3 as linhas gerais de sua proposta de reforma administrativa.

Nas análises que acompanham o noticiário, transbordam impressões de que a PEC é tímida e não ataca, de imediato, dois problemas centrais do funcionalismo brasileiro: altas despesas e baixa eficiência.

O duo cria automaticamente, no imaginário, a figura do burocrata que bate ponto na repartição arrastando a barriga entre o cafezinho e a lixa para a unha.

Uma figura que contrasta, só para citar um exemplo, com o trabalho de equipes médicas, de enfermagem e de limpeza já suficientemente sobrecarregada nos hospitais em meio à pandemia do coronavírus.

As medidas não atingem os servidores atuais, mas deixam a carreira no setor público menos atraente para o futuro.

Na próxima pandemia, esses profissionais enfrentarão os mesmos limites, encurtados pela ausência de estabilidade.

Esta é a palavra-chave do dilema que não chega ao cerne.

A despesa com pessoal no Brasil, que consumiu cerca de 13,7% do PIB só em 2019, é, de fato, superior à média de outros países. Nos EUA e na União Européia, a proporção é menor do que 10%.

No quadro geral do serviço público, praticamente metade das pessoas está na ativa e metade se aposentou ou recebe pensão. A despesa anual média é de R$ 300 bilhões.

Mas, das novas futuras regras ficarão de fora juízes, procuradores, promotores, deputados, senadores e militares, parte significativa do peso no orçamento e na produtividade que os reformistas querem alavancar.

Vista como âncora, a estabilidade do servidor está em xeque. Justa ela, que foi instituída para assegurar aos ocupantes de cargos públicos a possibilidade de trabalhar sem ser submetidos a ingerências políticas ou outros tipos de pressão, inclusive econômicas. Sua existência visa justamente garantir impessoalidade, e não privilégio, no atendimento à população.

É isso o que está em jogo.

O Brasil possui cerca de 5.570 municípios. O ataque à estabilidade no serviço público pode não só ser inócua na questão da produtividade e contenção de despesas como dará, a muitos gestores, sobretudo nas pequenas cidades, um poder ainda maior de formar, por coação, a sua base de aliados e eleitores com promessas de emprego sob a sua administração.

A PEC da reforma administrativa tem outro ponto preocupante. Se aprovada, ela permitirá ao presidente da República, diante de impasses no orçamento, eliminar fundações e autarquias sem autorização do Congresso. Quem já sofre em banho maria, como agentes ambientais do Ibama e do ICMBio, pode agora ser atirado diretamente no óleo do desmonte.

Segundo o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), faltou diálogo por parte do governo na elaboração das propostas. “O fato de o governo federal não ter procurado ouvir aqueles que realmente conhecem o funcionamento do Estado e de suas regras mostra, em si, um desinteresse em promover uma reforma administrativa de qualidade, eficiente e que tenha o bem da população como objetivo final”, diz a entidade.

Ao deixar de fora categorias “especiais”, se basear no senso comum do que é o serviço público, avançar sem diálogo e pôr em risco o dispositivo da impessoalidade, a reforma que deveria modernizar a estrutura do Estado “gordo e ineficiente” já nasce com gosto e cheiro de atraso.


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