Esquema de empresário preso continuou no governo Witzel, diz Lava Jato

O MPF (Ministério Público Federal) aponta que o empresário Mario Peixoto, principal alvo da Operação Favorito, deflagrada pela força-tarefa da Lava Jato no Rio, manteve esquema de corrupção durante o governo de Wilson Witzel (PSC). Peixoto foi preso preventivamente hoje, sob suspeita de ter montado um intrincado esquema de corrupção na saúde do Rio, assim como em outros órgãos, em vigor desde 2012.

De acordo com a Lava Jato, interceptações de ligações telefônicas e mensagens feitas com autorização judicial mostram que Peixoto continuou sendo beneficiado com contratos direcionados na atual gestão. A relação entre Witzel e o empresário é questionada desde a campanha eleitoral. Braço direito do governador, o secretário Lucas Tristão (Desenvolvimento Econômico e Geração de Emprego e Renda), seria o elo entre o governador e o empresário, de quem foi advogado.

Segundo os procuradores, diálogos de pessoas ligadas a Peixoto mostram que ele seguiu sendo beneficiado com contratações direcionadas no governo em órgãos como Detran-RJ e Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica), que mantém escolas profissionalizantes e cursos de graduação no Rio.

As investigações ainda apontam que o empresário tinha a intenção de se beneficiar dos contratos emergenciais na área de saúde para o combate da pandemia de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Um dos integrantes do suposto esquema investigado pela Lava Jato, Luiz Roberto Martins —preso na Operação Favorito— afirmou em conversa telefônica que Peixoto estava sendo beneficiado de maneira ilícita pelo governo.

"Mas botou uma tropa de choque para trabalhar, e tá pagando um cachezinho, aquele cachezinho básico 500 mil para um 1 milhão para outro. Ele não é brincadeira não. Só de janeiro e fevereiro são dois emergenciais. Um na CST tecnologia, na FAETEC de 35 milhões de reais na Atrio e outro de 26 milhões no DETRAN. Ele não tem jeito, é do c*, aquele..."

A transcrição consta na fundamentação do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelas ações da Lava Jato no Rio, para autorizar as prisões e buscas realizadas pelo MPF e pela PF (Polícia Federal).

Empresa ligada a Peixoto tem R$ 91 mi em contratos sem licitação na Faetec
Levantamento feito pelo UOL no sistema de compras do governo do estado mostra que, desde o início do governo Witzel, a Atrio Rio, principal empresa ligada a Peixoto segundo o MPF, foi beneficiada por mais de R$ 91,6 milhões em contratos com dispensa de licitação na Faetec.

A Faetec faz parte da estrutura da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Informação. A pasta é comandada por Leonardo Rodrigues, indicado para o cargo pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de quem é suplente. Após o rompimento do clã Bolsonaro com Witzel, Rodrigues afastou-se do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, mantendo-se alinhado ao governador.

Ainda segundo a decisão de Bretas, o MPF encontrou indícios de que Peixoto chega até mesmo a indicar pessoas para cargos estratégicos no governo, como diretores de unidades da Faetec:

"Destaca-se que a aparente influência de MARIO na FAETEC é corroborada pelo diálogo entre ALESSANDRO e GILSON, vice presidente da FAETEC até julho de 2019, quando assumiu o cargo de Presidente da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro - CECIERJ. Na aludida conversa, eles debatem sobre os cargos de direção da escola, quem iria ocupá-los e se o 'chefe' iria concordar, fazendo alusão, em tese, a MARIO PEIXOTO", diz Bretas em sua decisão.

Os investigadores ainda citam que a Atrio Rio mantém contrato de quase R$ 7,2 milhões com o Detran.

O que diz o governo Wilson Witzel
Em nota, o governador Wilson Witzel afirmou que solicitou à Justiça Federal que informe as empresas e pessoas envolvidas na operação de hoje.

O governador diz que todos os contratos com as empresas serão auditados e terão os pagamentos suspensos durante a apuração. Caso irregularidades sejam encontradas, os vínculos serão encerrados.

"Caso haja participação de funcionários e servidores do governo, os mesmos serão exonerados", disse o governador Wilson Witzel. "É inadmissível que pessoas queiram cometer ilícitos, principalmente neste momento de pandemia e de luta pela vida de milhares de pessoas."

A reportagem do UOL não conseguiu contato com a defesa de Mário Peixoto e com representantes da Atrio Rio.

Influência na saúde
Os investigadores suspeitam ainda que Peixoto —apontado como uma espécie de sócio oculto da OS (Organização Social) IDR (Instituto Data Rio)— expandiu sua influência para a Iabas, outra organização com atuação em unidades de saúde do Rio.

A Iabas foi escolhida pelo governo Witzel para administrar os hospitais de campanha que receberão os pacientes com covid-19. O contrato, feito sem licitação, é de aproximadamente R$ 850 milhões.

"Assim, de acordo com a autoridade policial, os períodos de monitoramento telefônico implementados permitiram confirmar suspeitas de que as empresas ligadas a MARIO PEIXOTO e família estão sendo favorecidas nas contratações públicas mediante o pagamento de vantagens indevidas aos agentes públicos, principalmente no período de enfrentamento emergencial da pandemia do novo coronavírus (COVID-19)", relata Bretas em seu despacho.

Os investigadores da Polícia Federal encontraram indícios de que a Iabas "também teria relação com Mario Peixoto, apesar de não constar qualquer vínculo com ele no quadro social da citada pessoa jurídica".

A conclusão se baseia em interceptação de mensagens eletrônicas de Alessandro Duarte, outro dos presos na operação e apontado como operador financeiro de Mario Peixoto.

Alessandro envia para Juan Neves, apontado pelo MPF como contador de Peixoto, "planilhas referente ao controle de implantação dos hospitais pela OS [Iabas], planilha detalhada com os custos do projeto, e cronograma de implantação; documentos esses que normalmente são manuseados por administradores ou diretores da empresa", diz outro trecho da decisão.

A reportagem tenta contato com as OSs Instituto Data Rio e Iabas.

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