Bolsonaro demitiu Cintra porque discussão sobre CPMF 'se tornou pública demais', diz Mourão


O vice-presidente Antônio Hamilton Mourão afirmou que a demissão do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, nesta quarta-feira, 11, foi provocada porque a discussão sobre a criação da CPMF se tornou "pública demais". 

"Foi decisão do presidente. É a questão do Imposto de Transação Financeira que o presidente Bolsonaro não tem uma decisão a este respeito e ele acha que a discussão se tornou pública demais antes de passar por ele", disse Mourão. 

Segundo o vice-presidente, Bolsonaro não gostou do fato do debate sobre o imposto ter "transbordado" e ter chegado inclusive nas redes sociais.  "Antes de ter passado por ele, antes de ter discutido com ele, esse troço transbordou, já estava sendo discutido em rede social, essas coisas todas, e o presidente não gostou", disse ele. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, decidiu demitir o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, em meio à demora na formatação final da reforma tributária e polêmica sobre a criação de um novo imposto sobre transações financeiras.

Nesta quarta-feira, o Ministério da Economia informou que o secretário deixará o posto, destacando que ainda “não há um projeto de reforma tributária finalizado”.

O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, disse no Twitter que Cintra teria sido demitido “por tentativa de recriação da CPMF”.

“A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do presidente”, escreveu ele.

No Facebook, ele disse ainda que “a PEC (sem CPMF) só deveria ter sido divulgada após o aval do presidente da República e do ministro da Economia”.

A saída de Cintra acontece um dia depois de seu adjunto, Marcelo Silva, ter detalhado em evento público em Brasília as alíquotas que o governo estaria pretendendo propor para um tributo sobre pagamentos e também a estratégia para encaminhar a reforma no Congresso.

Embora Cintra tenha atuado como um dos mais vocais defensores de um novo imposto sobre pagamentos, Guedes sempre mencionou que o tributo estava em seus planos em substituição à contribuição previdenciária paga pelas empresas. Na avaliação do ministro, a desoneração da folha teria o potencial de turbinar a geração de empregos no país.

Em declarações recentes, inclusive, Guedes pontuou que um imposto sobre transações financeiras poderia arrecadar até 150 bilhões de reais por ano. Também já afirmou que um tributo nesses moldes não machucaria se “pequenininho”, e chegou a mencionar a potência de eventuais alíquotas.

“Tem uma escadinha na proposta de reforma que é assim: se quiser 0,2% de imposto pode baixar a desoneração da folha para 13%, se quiser pagar 0,4% você já consegue derrubar a CSLL, se quiser pagar 1% você acaba com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado)”, disse Guedes em entrevista ao Valor Econômico publicada nesta semana.

Em suas últimas manifestações, o ministro vinha pontuando que a adoção ou não desse tributo acabaria sendo uma escolha do Congresso e da sociedade.

Segundo fonte da Economia ouvida pela Reuters, há leitura na pasta de que Cintra não vinha fazendo boa gestão interna, sem ter conseguido alinhavar de fato o desenho da reforma passados nove meses de governo.

Nesse ínterim, Câmara dos Deputados e Senado se articularam para tocar, cada uma das Casas, a sua própria versão de reforma, com a disputa pelo protagonismo em relação à matéria turvando o horizonte de articulação política.

Externamente, a imagem do secretário também foi chamuscada, disse a mesma fonte, em condição de anonimato, citando falas polêmicas sobre a recriação de um imposto sobre pagamentos nos moldes da CPMF. Isso acontecia mesmo quando o presidente Jair Bolsonaro se posicionava diametralmente contra a investida ou quando líderes no Congresso externavam igual contrariedade.

Cintra também declinou sistematicamente convites para participar de audiências públicas com parlamentares, ao mesmo tempo em que seguia participando de seminários promovidos por associações e empresários, inclusive divulgando nesses eventos as linhas gerais da reforma tributária sob sua batuta.

Logo nos primeiros dias do governo, em janeiro, o secretário especial se envolveu em polêmica ao desmentir o presidente no Palácio do Planalto, apontando que não haveria aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Cintra também provocou forte insatisfação no Planalto após afirmar, em entrevista à Folha de S. Paulo em abril, que o novo tributo sobre pagamentos incidiria inclusive sobre as igrejas. Bolsonaro acabou indo ao Twitter para negar a investida.

Histórico defensor de um imposto sobre movimentações financeiras como instrumento de ampla simplificação tributária, Cintra fez parte da equipe de transição e, antes disso, já colaborava com Guedes na elaboração do programa de governo de Bolsonaro.

Em nota, o Ministério da Economia pontuou que a “equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento”.

“A proposta somente será divulgada depois do aval do ministro Paulo Guedes e do presidente da República, Jair Bolsonaro”, acrescentou o ministério.

Até agora, Cintra vinha dizendo que a reforma do Executivo contaria com três pilares: a instituição de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) unificando apenas impostos federais, uma reestruturação do Imposto de Renda para pessoas físicas e empresas, e a instituição de um imposto sobre pagamentos em troca da desoneração da folha.

Agora, Cintra será substituído no cargo interinamente pelo auditor fiscal José de Assis Ferraz Neto, que havia sido anunciado em meados de agosto como novo subsecretário-geral da Receita, numa tentativa de sufocar crise interna após o órgão ter sido acusado por integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de atuação política.

Na terça-feira, o secretário especial adjunto da Receita, Marcelo Silva, afirmou em seminário que o governo proporia para o novo tributo sobre pagamentos uma alíquota de 0,2% para operações de crédito e de débito e de 0,4% para saques e depósitos em dinheiro.

Silva também afirmou que a reforma tributária do governo começaria apenas com a unificação de PIS e Cofins, em possível projeto de lei que daria pontapé ao IVA. Num segundo momento, uma PEC seria apresentada para extinguir mais impostos e propor a criação da nova contribuição sobre pagamentos em compensação à desoneração da folha. 



Brasil 247

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