Caixa quer mudar correção para compra de casa, e prestação pode ficar cara


O financiamento de imóveis pela Caixa Econômica Federal poderá ficar mais caro e mais arriscado para quem deseja comprar a casa própria depois que o banco mudar o indexador dos seus contratos da TR (Taxa Referencial) para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o índice oficial da inflação. A Caixa anunciou que pretende adotar o IPCA nos novos contratos até o fim deste mês.
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o uso do IPCA como fator de correção dos contratos causará maior pressão sobre o custo do financiamento imobiliário devido à grande oscilação do índice de inflação em um período longo de tempo.
Caixa baixa juros, mas muda forma de corrigir prestações
A Caixa reduziu a taxa mínima de juros em suas linhas de crédito habitacional para 8,5% ao ano mais TR. A nova taxa entra em vigor nesta segunda (10). Porém, o banco também informou que passará a usar o IPCA como indexador para novos contratos até o fim do mês, o que será uma "mudança de paradigma", segundo o presidente da instituição, Pedro Guimarães. Indexador é o índice usado para corrigir as prestações.
Entre os grandes bancos, apenas a Caixa anunciou que adotará o IPCA. Os demais --Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander-- por enquanto não manifestaram intenção de usar o índice. Algumas fintechs (empresas de tecnologia que prestam serviços financeiros) de crédito já utilizam o indexador em contratos habitacionais.
Atualmente, a TR vale zero, como reflexo da queda da taxa básica de juros, a Selic, que está em 6,5% ao ano. Ou seja, na prática, o financiamento da Caixa tem hoje um custo fixo mínimo de 8,5% ao ano.
Com a mudança do indexador, os contratos continuarão com uma parcela de juros fixa, que ainda será anunciada pelo banco, e uma parcela variável, representada pelo índice de inflação. O problema, segundo os especialistas, é que a nova parcela variável --o IPCA-- tem comportamento bem mais imprevisível do que a TR.
Usar o IPCA no lugar da TR vai encarecer o financiamento. É só a gente olhar o gráfico dos dois indexadores ao longo dos últimos 10 ou 20 anos.Marcelo Prata, especialista em crédito imobiliário e fundador do aplicativo Resale e do site Canal do Crédito
"A TR se mantém mais baixa ao longo do tempo, enquanto o IPCA segue a tendência da economia. Uma hora sobe bastante, outra hora cai um pouco. Ou seja, é bem mais volátil [instável]l", disse Prata. O gráfico abaixo mostra a diferença de comportamento, mês a mês, entre a TR e o IPCA desde 2004. As variações são percentuais.

Incerteza em prazo muito longo

O ponto que merece atenção é o fato de que empréstimos imobiliários são muito longos. Estamos falando de 20, 30 anos.Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa, plataforma digital especializada em crédito imobiliário
Embora a inflação no Brasil tenha ficado abaixo da meta estabelecida pelo Banco Central nos últimos três anos, nem sempre o índice se comportou como o esperado.
Em 2015, por exemplo, o IPCA superou os 10% no ano. Eventuais choques de preços nos alimentos, nos combustíveis ou na energia elétrica podem provocar a disparada do índice, pressionando o custo do financiamento.
"A Caixa vai ancorar a correção do contrato a um índice macro, que é mais volátil do que a TR e que depende basicamente do desempenho da economia. É difícil prever o que pode acontecer num período tão longo. Mas, certamente, o financiamento vai ficar mais caro", afirmou Sasso.
A tabela abaixo mostra a variação anual da TR e do IPCA nos últimos anos. Com a queda da taxa básica de juros, a Selic, para 6,5% ao ano, a TR atualmente vale zero. Em 2019, enquanto a TR está em zero, o IPCA acumula alta de pouco mais de 2% até abril.

IPCA já é usado no mercado em contratos mais curtos

Segundo Sasso, o uso do IPCA como indexador de contratos de crédito imobiliário não é uma novidade no Brasil, mas os financiamentos com esse indexador costumam ter prazo mais curto.
"As fintechs de crédito e alguns bancos menores fazem empréstimos habitacionais dessa forma. Só que o prazo dos financiamentos não passa de dez anos. No caso da Caixa, estamos falando, a princípio, em um empréstimo de até 30 anos", afirmou o especialista da Melhortaxa.

Caixa quer buscar novas fontes de recursos

Na opinião dos especialistas, o que está por trás da decisão da Caixa em adotar o IPCA nos contratos imobiliários é a necessidade do banco de buscar novas fontes de recursos junto a investidores para poder emprestar.
"A Caixa não deixou isso claro em suas declarações. Mas tudo indica que a adoção do IPCA está ligada a uma questão de 'funding' [captação de recursos]", declarou Sasso, lembrando que, em pelo menos dois momentos no ano passado, a Caixa suspendeu a concessão de empréstimos habitacionais por falta de recursos.
"Eu acho que faltou a Caixa ser mais clara no motivo pelo qual ela está adotando o IPCA. Não é porque o IPCA é melhor do que a TR. O IPCA vai encarecer o custo do financiamento para quem contratar nesse novo formato, mas esse é o futuro do crédito imobiliário", afirmou Prata.
"O uso do IPCA vai alinhar a Caixa ao interesse do mercado financeiro. O financiamento imobiliário usa hoje principalmente a caderneta de poupança como fonte de recursos. Essa fonte tem um descasamento porque não é uma aplicação de longo prazo. Por isso, o mercado vem buscando desenvolver produtos alternativos que possam subsidiar o crédito imobiliário", disse o especialista da Resale.
Ao mudar o indexador dos contratos, a Caixa poderá utilizar emitir títulos de investimento de longo prazo atrelados aos financiamentos, como os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), oferecendo ao investidor uma taxa de juros real (acima da inflação) como remuneração.
"Para que esses papéis possam atrair investidores, além de a taxa de juros ser atraente, eles precisam estar atrelados a um indexador que corrija o dinheiro ao longo do tempo. A TR, de longe, não é um índice ideal para isso. Já o IPCA está ligado à inflação e, por isso, os papéis indexados a ele teriam mais chances de emplacar entre os investidores no mercado", afirmou Prata.

Adoção do IPCA pode estimular concorrência

Os especialistas em crédito habitacional acreditam que o aumento do uso do IPCA como indexador dos contratos imobiliários poderia estimular um aumento da concorrência entre grandes bancos, fintechs e outras empresas de crédito.
"Para esse mercado ter fôlego e continuar crescendo, é importante mudar o índice de correção dos contratos. Vai ficar mais caro, mas vai garantir que haja mais oferta de crédito na praça, para não depender só dos grandes bancos", disse Prata.
Ele lembrou que, hoje, os grandes bancos concentram o dinheiro da poupança, que é a principal fonte de recursos do crédito imobiliário. "Se a gente começar a ter financiamentos atrelados ao IPCA, o consumidor poderá buscar crédito em fintechs e outros participantes do mercado, fora dos grandes bancos."
Uol

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