Crise na Venezuela se aprofunda e, em silêncio, ONU desembarca no país


GENEBRA – A crise humanitária na Venezuela se aprofundou nos quatro primeiros meses do ano. O alerta faz parte de documentos internos da ONU e que servem de base para a atuação da entidade dentro do país sul-americano.
As informações passaram a ser circuladas no momento em que a oposição e o governo voltam a mandar seus emissários para uma mediação do conflito, em Oslo. Nesta semana, um segundo encontro na capital da Noruega voltará a testar a disposição dos grupos políticos em sair de um impasse.
Mas a realidade é que o governo de Nicolas Maduro passou a aceitar uma ampla operação de ajuda humanitária da ONU para sair em apoio à população. O gesto visa ainda esvaziar o discurso de líderes sul-americanos e mesmo do governo de Donald Trump de que seria necessário uma intervenção estrangeira para salvar o povo venezuelano.
A aceitação da ajuda é uma mudança importante na postura do governo Maduro, que insistia que uma operação humanitária seria o pretexto para uma eventual invasão. Apesar de ter aceito a entrega de materiais, Caracas conseguiu da ONU um compromisso para que não se faça um grande alarde sobre a operação.
Ao longo das últimas duas semanas, o blog solicitou em diversas ocasiões entrevistas com os responsáveis da OMS sobre a situação de saúde da Venezuela. Foram foram solicitados esclarecimentos sobre a situação interna do país a outras agências internacionais. Todos os pedidos, porém, foram recusados. Nos bastidores, um diretor de alto escalão de uma agência da ONU confessou, na condição de anonimato, que o silêncio tinha um motivo: não criar constrangimentos para o governo de Maduro e, assim, conseguir que os hospitais pudessem continuar sendo abastecidos e que as pessoas em situação vulnerável fossem atendidas.
Mas, nas análises internas, não há meias-palavras. "A situação humanitária no país se deteriorou, diante dos desafios econômicos, instabilidade política, falta de energia e deterioração da prestação de serviços essenciais", destacou um informe da ONU, datado de 20 de maio.
De acordo com a avaliação, os grupos mais vulneráveis hoje são aqueles compostos por pessoas com condições de saúde crônicas e doenças sérias, além de grávidas e crianças abaixo de cinco anos de idade. As situações mais dramáticas estão em regiões como Bolivar, Delta Amacuro, Amazonas, Zulia, Táchira e Apure.
Segundo a ONU, o corte de energia ao longo do mês de março deixou um rastro importante de problemas e, ainda hoje, muitos estados ainda continuam a limitar o consumo de energia, num dos países com as maiores reservas de petróleo do mundo.
A deterioração da situação levou o Alto Comissariado da ONU para Refugiados a pedir que todos os países que recebam venezuelanos passem a considerar essa população como pessoas sob a necessidade de proteção, e não apenas como imigrantes.
A diferença legal é fundamental, já que não seriam mais apenas pessoas em busca de uma melhor vida do outro lado da fronteira. Mas sim famílias e indivíduos que precisam ser protegidos.
Reconhecendo os desafios, o ministro de Saúde da Venezuela, Carlos Alvarado, explicou que se reuniu com diversas organizações internacionais na semana passada em busca de ajuda. Mas, segundo ele, a crise não é culpa do governo de Nicolas Maduro, mas sim das sanções impostas.
Sua versão se contradiz com os números, já que a crise e a explosão de doenças antes controladas foram iniciadas antes da aplicação de medidas por parte de Washington.
Presença da ONU
Ao contrário do discurso do governo brasileiro, que chegou a enviar um comboio com alimentos para a fronteira da Venezuela, a ONU está dentro do país sul-americano e vem ampliando uma operação humanitária. Entre 2017 e 2019, o número de funcionários das Nações Unidas em Caracas e outras cidades mais que dobrou, chegando a um total de 422 pessoas.
Em fevereiro, uma equipe foi criada em Caracas para liderar a resposta internacional. Desde então, uma ação real passou a ser intensificada para permitir que remédios e alimentos fossem entregues. Geradores para hospitais foram entregues, assim como abastecimento para 189 mil pessoas ameaças de desnutrição.
28 mil venezuelanos ainda receberam produtos de higiene e a operação apoia a educação de 50 mil crianças na Venezuela.
Além de Caracas, a ONU estabeleceu centros de operação em San Cristobal, Maracaibo e Ciudad Guayana, além de locais como Guasdualito, numa operação que já arrecadou mais de US$ 60 milhões.
Já a OMS vem intensificando uma operação de vacinação. Ao final de 2018, a cobertura de vacinação para difteria e sarampo tinha chegado a 95%. Mas em sete estados, a situação ainda era considerada como insuficiente. No caso da difteria, a taxa de 95% não havia sido atingida ainda em dez estados.
Kits de emergência de saúde devem ainda chegar para 90 mil pacientes e, em um ano, a Organização Pan-americana de Saúde já distribuiu 135,8 toneladas de remédios e materiais para populações afetadas por surtos de doenças.
Nas próximas semanas, mais 89 toneladas de suprimentos serão entregues. No que se refere à malária, um plano de emergência está sendo implementado. Mas, com a falta de energia em março, a prioridade foi a de manter esses remédios em condições adequadas.
Também foi fechado um acordo pelo qual entidades internacionais doariam US$ 5 milhões para ajudar a Venezuela a atender os pacientes de Aids. Em apenas cinco anos, a doença avançou em 24% no país.
Alvarado ainda indicou que, diante dos problemas que enfrenta para adquirir remédios na região, Caracas passou a contar com a ajuda da China e da Rússia no fornecimento de produtos para os hospitais do país.

Uol

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