O Facebook como conhecemos pode acabar - ou mudar muito


Redes sociais vêm e vão. Muitos de nós usamos, antes do Facebook, o Orkut.. Outros chegaram a participar do MySpace, alguns do Mirc e por aí vai. Há 10 anos, contudo, a rede social de Mark Zuckerberg começou a dominar as conexões online a um ponto nunca visto antes, com mais de dois bilhões de cadastrados atualmente no mundo. Mas tudo tem um fim ou ao menos uma mudança - e, a partir das palavras de seu fundador, parece ser hora do Facebook seguir adiante.
Na última semana, Mark Zuckerberg soltou mais um de seus "textões de Facebook" - bom, apesar de não gostarmos de textões por lá, ele pode, já que é o chefe e criador da parada, né? Entre ladainhas repetidas como a promessa de mais privacidade e afins na rede estão, contudo, algumas palavras importantes para entender o futuro da companhia - e que, se levadas a cabo, podem acabar com a rede social como a conhecemos atualmente.
"Eu acredito que o futuro das comunicações vai cada vez mais ir em direção aos serviços privados e criptografados, onde as pessoas podem ficar confiantes que o que falarem entre si está seguro e que suas mensagens não vão ficar por aí para sempre. Esse é o futuro que espero trazer", apontou Mark Zuckerberg.
Privacidade dá às pessoas a liberdade de serem elas próprias e se conectarem de forma mais natural, que é o motivo de termos criado redes sociais
O discurso de Zuckerberg é bonitinho, mas, como apontaram os sites RecodeThe Guardian, as implicações do que ele diz podem impactar no fim da rede social Facebook ou matar o seu modelo de negócios.

O QUE ISSO SIGNIFICA PARA O FACEBOOK E PARA VOCÊ?

Em primeiro lugar, é bom dizer: o Facebook não irá embora tão cedo. Atualmente, a rede social é a máquina mais eficiente de fazer dinheiro da companhia dona de outros serviços como WhatsApp e Instagram - o último balanço, por sinal, registrou novo recorde e passou dos US$ 50 bilhões em receitas anuais. O app até deverá crescer, com mais investimentos no shopping dentro do site e no Facebook Watch, o serviço de streaming que passa até jogos da Libertadores.
Em segundo lugar, Zuckerberg não dá ponto sem nó - e muito menos faz textão sem saber do que fala. O Facebook rastreia seus movimentos não só nos aplicativos da companhia como também já o fez, com invasão de privacidade e abuso de privilégios, nos celulares dos usuários. Então pode ter certeza que por trás do discurso fofo de dar mais privacidade aos usuários está uma análise da empresa de que as pessoas estão gastando mais tempo no WhatsApp e fazendo mais Stories.
Acontece que, agora, o chefão e oitavo maior bilionário do mundo quer dar um cavalo de pau na sua história. O site que construiu visava conectar pessoas ao redor do mundo para que compartilhassem tudo de sua vida. Agora, quer o contrário: menos compartilhamentos, menos ansiedades geradas por curtidas e mais conexões invisíveis - seja por mensagens criptografadas ou funções como o Stories, copiado do Snapchat.
Na prática, para o Facebook, isso significa que no futuro o feed de notícias pode ser algo cada vez mais irrelevante para a empresa. O problema é que é desse feed - e das curtidas e preferências dos usuários - que Mark Zuckerberg tira o seu "salário": a publicidade da rede social é guiada por esses dados únicos de cada usuário, o que resultou até em interferências políticas como na eleição de Donald Trump e na saída do Reino Unido da União Europeia.
Só que o usuário não deve se animar com esse discurso bonitinho do Zuckerberg de se inclinar para mensagens cripgografadas ou fotos e vídeos que desaparecem. Sim, por um lado teremos uma menor sensação de estarmos vigiados ou de que estamos denunciando do que gostamos. Por outro, o Facebook só está copiando algo que já é feito em um país asiático e vai continuar nos usando para ganhar (muito) dinheiro.

A INSPIRAÇÃO VEM DA CHINA?

A fala de Zuckerberg foi recebida por sites como o The New York Times, Business Insider The Verge como uma tentativa do Facebook virar uma espécie de WeChat, aplicativo de mensagens que é completamente dominante na China. E isso é de causar arrepios.
Na China, o WeChat é muito mais do que um "WhatsApp chinês". Ele é praticamente a vida do país. Com mais de um bilhão de usuários, ele não só oferece troca de mensagens privadas entre usuários, como também é um serviço de pagamento, console de games, banco, shopping, entrega de comida, aplicativo de mobilidade e muito mais.
O app já foi descrito pelo The New York Times como um "canivete suíço" tamanhas suas funcionalidades. O app é essencial na vida chinesa e responsável por pagamentos em supermercados ou até cafeterias. Se você não tem o app, você sequer pode fazer compras em determinado local que só aceite pagamento via WeChat, como apontado pelo Business Insider.
E é do próprio WeChat que pode vir a inspiração de Zuckerberg para ganhar dinheiro em um mundo criptografado. E olha que antigamente Zuckerberg até chegou a ter discussões com os criadores do WhatsApp por eles quererem implantar a criptografia de ponta-a-ponta, enquanto o fundador do Facebook não via ganhos para isso por não oferecer oportunidades para publicidade direcionada.
Na China, o WeChat oferece uma ou outra publicidade em seus serviços: ele não é dependente de receitas vindas da propaganda por fazer dinheiro com seu serviço de pagamento adotado por toda a China. Para cada compra, game jogado ou pagamento feito pela tecnologia do serviço, o WeChat leva uma comissão.
Pelo WeChat, inclusive, é possível transferir dinheiro, algo que o WhatsApp já adotou em algumas localidades e vai aumentar pelo mundo. O aplicativo ainda tem mais de 100 milhões de usuários que chegaram a comprar produto pessoal financeiro dentro do serviço. Usuários podem comprar desde títulos e seguros a fundos usando o app.
Se Zuckerberg seguir esse modelo de negócio, vai, no fim das contas, conseguir mais dados de usuários, não menos - e isso poderá ser repassado para empresas, como já ocorre na China, segundo o Business Insider. Ao mesmo tempo, terá o controle sobre múltiplos aspectos da nossa rotina e parecerá ainda mais como um "big brother" como definido por George Orwell no seu romance 1984.

O QUE JÁ VAI MUDAR E QUANDO

Não é de agora que o Facebook mostra ser uma empresa que busca ser "dona de tudo" - as próprias compras do Instagram e WhatsApp representam isso, além da fracassada compra do Snapchat com posterior adoção das funções do aplicativo rival. Nesse meio tempo, há uma pressão, principalmente de políticos democratas, de desmembrar a rede social e outras empresas de tecnologia.
O problema é que a primeira mudança concreta do Facebook para esse futuro "criptografado" já pode atrapalhar esses planos de desmembramento, No seu post, Zuckerberg voltou a confirmar que irá unir o WhatsApp, o Messenger e o Instagram - assim, um usuário em uma das redes sociais poderá enviar mensagens para outra pessoa nos outros serviços.
Ao fazer isso, Zuckerberg vai tornar mais trabalhoso um possível desmembramento do Facebook como um todo. E esse será o primeiro impacto concreto da nova direção do Facebook - pela complexidade, é previsto que chegue aos usuários apenas no próximo ano.
O Facebook não deve acabar, claro. É possível que o Facebook, como a rede social principal criada lá em 2004, continue existindo nos próximos anos. Mas que seu foco será outro, Zuckerberg deixou claro.

O PROBLEMA DA CRIPTOGRAFIA

A criptografia pode ser benéfica para a privacidade por um lado, mas por outro também traz possíveis danos à sociedade. Zuckerberg aborda isso em seu texto ao citar comunicações entre terrorista e até uma exploração de crianças.
Se a comunicação criptografa permite que usuários se comuniquem sem a preocupação de estarem sendo vigiados, por outro também impede que autoridades investiguem crimes na plataforma. Por não repassar dados à Justiça, o WhatsApp já foi bloqueado no Brasil algumas vezes.
Além disso, ferramentas do tipo viraram um meio eficaz de espalhar notícias falsas sem que se saiba a fonte dos criadores dos conteúdos. O WhatsApp já foi envolvido em práticas do tipo na Índia e no Brasil, onde virou um ambiente com alta circulação de notícias falsas no pleito que terminou com vitória de Jair Bolsonaro (PSL).

Uol

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