Temor pelo futuro da democracia é 'choro de perdedores', diz Mourão




Em entrevista à BBC News Brasil, o vice-presidente eleito disse, ainda, que as preocupações externadas por jornais e personalidades são 'um desserviço' prestado por seus adversários.

As manifestações de temor pelo futuro da democracia brasileira são "choro de perdedores". Assim as classificou o vice-presidente eleito general Hamilton Mourão, em entrevista à BBC News Brasil. A partir de janeiro, o general estará ao lado de Jair Bolsonaro (PSL) na liderança do país após a vitória na eleição de domingo.

Falando na sede paulistana de seu partido, o PRTB, o militar afirmou que as preocupações externadas por jornais e personalidades de fora do país são um "desserviço" prestado por seus adversários, insinuando que teriam sido provocados por uma "rede de contatos" de pessoas ligadas à campanha de Fernando Haddad, do PT.

Mourão, que já anunciou não pretender ser um "vice decorativo" – descrição usada por Michel Temer para expressar sua mágoa com Dilma Rousseff antes do impeachment da petista –, disse que quer participar ativamente do governo. Como exemplo, cita a criação de "pequenos conselhos" que seriam responsáveis por coordenar projetos que envolvam mais de um ministério e "apresentar linhas de ação" para que Bolsonaro escolha entre elas.

A ideia seria, nas palavras do general, "explodir" o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), pulverizando-o em diferentes "miniconselhos".

Sobre a política externa, Mourão diz que o Brasil aceitaria participar de uma ação militar para manutenção de paz na Venezuela se a ONU decidisse criar tal missão.

Na quarta-feira, Mourão deve se reunir com Bolsonaro para resolver "algumas questões". Os dois, segundo a programação, pousarão em Brasília na segunda-feira para dar início, de fato, às negociações da transição de governo.

A seguir, a íntegra da entrevista.

BBC News Brasil - O sr. disse ao longo da campanha que não pretende ser um "vice decorativo" e pretende ter uma sala próxima à do presidente para trabalhar. De quais áreas o sr. pretende se ocupar?

General Hamilton Mourão - Quando o presidente Bolsonaro me convidou para ser o vice, ele me disse que eu teria outras tarefas, foi bem no começo da nossa campanha. Ao longo desse período, nós fomos afinando o nosso discurso.

Eu vejo que sou um assessor privilegiado. Privilegiado porque fui eleito junto com ele. Os demais assessores que forem escalados podem ser mandados embora a qualquer momento. Eu permaneço. Nós somos irmãos siameses.

Então, a minha visão é cooperar em tudo aquilo que ele julgar necessário dentro do meu conhecimento, da minha expertise. Se pudermos coordenar alguns trabalhos, projetos que ele julgue necessário, eu estarei pronto pra isso.

Vou ocupar a área que a vice-presidência tem, que acho mais coerente, e estarei ali sempre próximo dele e irei apoiá-lo em todas as suas decisões.

BBC News Brasil - Essa coordenação inclui, de alguma forma, o Gabinete de Segurança Institucional ou isso permanece como está?

Mourão - Não, isso (o GSI) permanece como está. A coordenação que eu falo é, por exemplo, a gente poder montar pequenos conselhos para projetos que envolvam mais de um ministério onde a gente tenha uma forma de controlar o desenvolvimento desse projeto, reorganizar aquilo que for necessário e aí apresentar linhas de ação para que o presidente decida.

BBC News Brasil - Já existe algum plano específico neste sentido, algum conselho já planejado?

Mourão - Não. Nós temos aquele Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), né? Ele pode ser "explodido" em pequenos conselhos. Isso é uma ideia que tanto o Paulo Guedes quanto eu temos.


BBC News Brasil - O presidente eleito já disse que não é simpático à ideia de privatizar áreas estratégicas, como Petrobras ou Eletrobras, por exemplo. O que o senhor pensa do assunto?

Mourão - Sobre a Petrobras, o presidente Bolsonaro já disse que as áreas de refino e distribuição poderiam ser privatizadas e eu concordo com ele.

Em relação à Eletrobras, tem que haver um estudo claro e, ser for possível, (privatizar) tudo que pode ser privatizado. Nós temos que ter, vamos dizer, não haver dúvida nisso aí.

BBC News Brasil - Houve uma série de manifestações em jornais estrangeiros e também de alguns artistas demonstrando preocupação com o futuro da democracia no Brasil. O que o sr. diz em relação a isso?

Mourão - Eu acho que isso é choro de perdedores. Esse grupo que esteve no poder por tanto tempo não admite um dos princípios básicos da democracia que se chama alternância de poder. Então, ele não pode querer nos criticar como sendo antidemocratas.

E prestam um desserviço à nação no momento em que buscam com seus contatos internacionais apresentar o presidente Bolsonaro como um homem antidemocrata, com todos esses pejorativos que foram colocados.

Acho que muito em breve nós teremos que ir ao exterior e mostrar quem nós somos.


BBC News Brasil - O presidente eleito falou em ter um Itamaraty "livre de ideologias". O que isso significa na prática?

Mourão - É um relacionamento entre os países de Estado, não de governo. Nós tivemos muito aqui no passado recente relacionamento de governo. "Ah, aquele governo me é simpático, eu vou me relacionar com aquele país".

O relacionamento tem que ser de Estado. A gente sabe muito bem que os interesses entre os países ora coincidem, ora não. E nós temos que ter essa visão pragmática que sempre foi a característica do nosso Ministério das Relações Exteriores.

BBC News Brasil - A Embaixada na Coreia do Norte permanece, por exemplo?

Mourão - Eu acho que ela poderá ser deslocada para outro local. Mas essa é uma decisão posterior.

BBC News Brasil - Tanto o senhor quanto o presidente eleito já falaram de uma aproximação com os EUA. Isso não esfriaria o relacionamento com a China, que é um parceiro comercial quase tão importante?

Mourão - Não. Nós temos que saber balancear. O Brasil tem que se apresentar como um "global partner", um "global trader", e não como um mero vendedor de quinquilharias.

Nós temos que ter esse relacionamento buscando não só o relacionamento comercial mas, principalmente, o relacionamento estratégico com ambos os países, cada um com suas características.

BBC News Brasil - O presidente fez um discurso antes da eleição dizendo que pretendia ver ou poderia ver Fernando Haddad na cadeia em Curitiba. Também houve menções a "varrer os vermelhos" e outras coisas nessa linha. As coisas vão continuar nesse nível de tensão? O presidente tem algum motivo para falar de Fernando Haddad na cadeia?

Mourão - O presidente foi muito claro no discurso que ele fez ontem na rede aberta de televisão, foi um discurso de estadista colocando todas aquelas ideias que vão nortear a administração dele, principalmente a forma como ele enxerga o futuro do país e a própria pacificação do país. Ele foi muito claro nisso.

Em relação ao caso do Fernando Haddad estar na cadeia ou não, ele responde aí a uns trinta processos, mais ou menos. Se comprovarem que sejam verdadeiros, ou provarem realmente alguma culpa dele, ele terá que pagar. Mas, por enquanto, ele está apenas respondendo aos processos.

BBC News Brasil - Sobre pacificação: alguns aliados falam em "kit gay" e outras coisas que já foram muito criticadas. Isso vai continuar? Essa pressão em redes sociais em relação à comunidade LGBT, por exemplo...

Mourão - Na realidade, o que houve foi um projeto ideológico levado às escolas e você não pode querer ultrapassar os limites que a família estabelece dentro do seu lar. A forma como você educa seus filhos é uma prerrogativa...

Isso aqui não é um Estado totalitário. Na antiga União Soviética, os filhos eram retirados dos pais e eram educados pelo Estado, assim como em outros países que viveram sob esse regime. Então, a escola precisa saber dos limites e o nosso Ministério da Educação, em determinado momento, não entendeu isso.

BBC News Brasil - Mas no momento em que esse combate ao que vocês classificam como doutrinação na escola extrapola para, por exemplo, ameaças a homossexuais nas ruas isso não acende uma luz vermelha?

Mourão - Eu não vejo ameaça. Eu ando nas ruas e vejo casais homossexuais andando de mãos dadas tranquilamente, sem problema nenhum, tenho amigos que assim são.

Essa é uma questão de escolha de vida. Apenas ninguém deve procurar impor seu modo de vida aos outros. Viva sua vida, aquela velha frase, "viva e deixe viver".

BBC News Brasil - Vai haver algum movimento para transferir o ex-presidente Lula da Superintendência da PF?

Mourão - Ele tá cumprindo a pena dele lá na sala, digamos assim, de "Estado maior" a que ele tem direito por ser ex-presidente, porque, na realidade, por não ter curso superior, ele poderia estar é numa prisão comum mesmo.

Mas, em virtude de ter sido ex-presidente, algo que me envergonha muito e envergonha ao País ter um ex-presidente preso por desvio de recurso público.

BBC News Brasil - Em relação à flexibilização do acesso às armas, nós temos dados mostrando que, de 2008 para cá, quintuplicou o número de armas registradas, armas legais. Mesmo assim, a violência explodiu. Então, por que o acesso mais fácil a armas reduziria a violência a partir de agora?

Mourão - Na realidade, esse aumento do número de armas legais foi uma via de escape que as pessoas encontraram dentro daquela sigla CAC - caçadores, atiradores e colecionadores. São essas as armas legais que estão aí.

O que o Bolsonaro tem colocado é o direito de o cidadão ter arma em casa. O porte da arma nas ruas entra na regra de teste psicotécnico e teste de tiro. Isso atinge muito a comunidade rural, onde a pessoa fica numa fazenda, num sítio, e tem que ter uma arma para se defender.

BBC News Brasil - O governo Bolsonaro defenderia uma medida que ampliasse a marcação de cartuchos também para os vendidos aos civis?

Mourão - Eu acho importante isso aí, até porque facilita qualquer investigação que tenha de ser feita por parte da polícia.

BBC News Brasil - O sr. já se manifestou contra uma intervenção militar na Venezuela. Se a ONU resolver compor uma força de manutenção ou imposição da paz, o Brasil participaria?

Mourão - Sim. Pela posição que o Brasil ocupa aqui na América do Sul, pela importância que nós temos, pela vizinhança com a própria Venezuela, qualquer problema que esteja atingindo a Venezuela respinga aqui no nosso país.

Então, tudo aquilo que nós pudermos fazer para buscar uma solução que pacifique a Venezuela, que ela volte a entrar no rumo de um sistema democrático como nós entendemos, acho que a gente tem que participar.

G1

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