Nova ministra dá verba da Câmara para a tia de sua chefe de gabinete


Nomeada para o cargo de ministra do Trabalho, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) tem destinado parte de sua cota parlamentar a uma locadora de veículos que pertence à tia de sua chefe de gabinete. A empresa declara o endereço e o telefone de um escritório de contabilidade, em Brasília.

A congressista usa a verba –que serve para cobrir despesas do mandato– a título de pagar mensalmente R$ 4.000 à Barros & Serra Serviços Executivos Rent a Car. A locadora está em nome de Naida Maria Coelho Serra, irmã da mãe de Alessandra Serra Gama, principal assessora da nova titular da Esplanada.

Filha do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), condenado no mensalão, a deputada tem posse marcada para esta terça (9). O ato foi suspenso por decisão de um juiz de Niterói (RJ), devido a problemas de Cristiane com ações trabalhista. O governo tenta reverter a decisão.

Nos registros da Receita, a Barros e Serra tem sede em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília. No local –um prédio de três andares, espremido entre uma borracharia e uma loja agropecuária– não há placa de identificação, carros, garagem ou balcão de atendimento da locadora. Funciona na prática a Lacerda Contabilidade.

Folha ligou e esteve três vezes no local, entre a quinta e a sexta. Por telefone, uma das atendentes informou que não existe locadora ali. Disse que a Barros & Serra é cliente do escritório e só declara seu endereço e telefone.

Ela forneceu um número da Câmara como sendo o da empresa contratada por Cristiane Brasil. A linha é do gabinete do deputado Luiz Carlos Ramos (Podemos-RJ), que empregava até dezembro de 2016 Parmênio Francisco Coelho Serra -outro tio de Alessandra, que já assessorou seis congressistas, ao mesmo tempo em que emitia notas fiscais de aluguel de veículos por outra locadora.

Ele comandava a ARL Barros Serviços Executivos Rent a Car, empresa formalmente ativa, que chegou a ser a mais requisitada por deputados, igualmente sem ter sede comercial ou garagem. A firma também declarava o telefone da Lacerda Contabilidade.

Após um escândalo sobre locações vir à tona em 2013, o que gerou a abertura de investigações no STF (Supremo Tribunal Federal) e no TCU (Tribunal de Contas da União), a ARL saiu de cena e a Barros & Serra foi aberta em nome de Naida. Quem a administra é Parmênio.

A nova empresa manteve congressistas como clientes, a exemplo de Paulo Maluf (PP-SP), que está preso, e do próprio Luiz Carlos Ramos.

Quando procurados pessoalmente pela Folha, os atendentes da Lacerda Contabilidade informaram que a empresa é o "endereço fiscal" da Barros & Serra, mas que a locadora aluga uma sala no andar de cima. Ninguém atendeu no imóvel.

O proprietário do prédio disse que, além do próprio escritório, só há mais dois inquilinos no edifício e nenhum deles é da empresa contratada por Cristiane Brasil.

A deputada apresentou gastos de R$ 29,1 mil com a Barros & Serra. Entregou sete notas fiscais da empresa à Câmara e recebeu reembolso. O grosso dos recursos (R$ 23,1 mil) foi pago entre julho e dezembro de 2017, após a nomeação da chefe de gabinete.

À Folha, Parmênio disse que é funcionário da empresa da irmã, que tem oito veículos para alugar: "Eu é que tomo conta". Ele explicou que não há garagem ou estrutura de atendimento porque os aluguéis são por períodos longos. "Os carros estão com os clientes, que são mensais."

Perguntado sobre qual é o número da sala supostamente ocupada pela empresa, ele respondeu: "Fica lá no escritório. Liga pro Rogério [dono da empresa contabilidade] que ele te dá". E se comprometeu a receber a Folha no local, mas em fevereiro. "Tô de férias, amigo".

Parmênio disse que a ARL foi desativada após reportagens questionarem as notas fiscais da empresa: "Aquela Mônica Iozzi [ex-apresentadora do CQC, da Band] ficou me perturbando", justificou.

A indicada para o ministério já foi condenada por descumprir a legislação trabalhista. Por conta das acusações, advogados tentam barrar sua posse. Cristiane também foi citada na delação da Odebrecht por suposto recebimento de caixa dois. Ela nega.

OUTRO LADO

A deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), indicada para o Ministério do Trabalho pelo presidente Michel Temer, informou que a empresa contratada "formalmente" por seu gabinete "para o serviço de transporte privado atua dentro da legalidade e nunca foi contestada pela Câmara dos Deputados".

Em texto divulgado pela assessoria, Cristiane alegou que as notas fiscais do pagamento pelo aluguel de um Corolla "são de conhecimento público e estão disponíveis no portal da Câmara" dos Deputados.

"O valor pago mensalmente está abaixo do praticado no mercado e, por isso, a empresa foi contratada", diz o comunicado, acrescentando que "vários parlamentares" usam a empresa.
"O gasto com este tipo de serviço é legal e está amparado pelo regimento da Câmara", afirmou.

A assessora Alessandra Serra Gama informou que a empresa Barros & Serra "existe" e divide espaço com o escritório de contabilidade em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília.
"O fato de a empresa ser de algum parente meu ou não, isso não tem nenhum problema", declarou.

Ela afirmou que não recebeu nenhum pagamento direto, referente à contratação, tampouco intermediou negociação do gabinete da deputada com a empresa.

"Não me envolvo com o funcionamento das empresas que não são minhas. Não tenho empresa no meu nome, acrescentou".

POLÊMICAS DE CRISTIANE BRASIL
Deputada foi citada em delação em 2017

2017

A deputada foi citada na delação da Odebrecht como beneficiária de caixa dois de campanha no valor de R$ 200 mil. O ex-diretor da empreiteira no Rio de Janeiro Leandro Andrade afirmou que o valor foi entregue em mãos à congressista em 2012, quando ela foi candidata a vereadora na cidade

Outro lado: A deputada alega que a acusação é "um comentário sem qualquer prova". Ela afirma que os poucos contatos que já teve com profissionais da Odebrecht foram em raros eventos institucionais. E se diz à disposição da Justiça para esclarecimentos

2018

Após ser confirmada sua nomeação, a ministra foi alvo de críticas por desrespeito à legislação trabalhista. Foi condenada a pagar R$ 60,5 mil a um motorista que alegou não ter carteira assinada e cumprir jornada desmedida. Em outro caso, ela fez acordo para pagar R$ 14 mil em parcelas a outro motorista que a acusou das mesmas irregularidades
Outro lado: Cristiane Brasil afirma que as acusações dos trabalhadores são injustas, mas que respeita as decisões da Justiça. Ela alega que os profissionais faziam um serviço "eventual" e que não eram seus empregados

A ministra parcelou o pagamento da dívida de R$ 14 mil. O dinheiro para o pagamento das parcelas, no entanto, não saiu de sua conta, mas de uma das assessoras de gabinete
Outro lado: Cristiane Brasil diz que reembolsou a assessora pelos pagamentos. Ela afirma que a funcionária a representou na Justiça, como preposta. Por esse motivo, diz, também a designou para pagar as prestações

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