Aos 30 anos, Lei de Natalidade muda hábitos na China, com promessa de mais flexibilidade

PEQUIM - De modo geral, os aniversários de decisões históricas são comemorados na China com demonstrações de satisfação, amplamente noticiadas na mídia oficial. Mas os 30 anos da Lei de Natalidade, também conhecida como "política do filho único", passaram quase despercebidos, com menções no jornal do Partido Comunista e declarações do vice-premier Li Keqiang sobre possíveis reformas na controvertida norma.

Segundo He Yafu, assessor do governo chinês especializado em questões demográficas, já existe um projeto-piloto, cujo objetivo é dar maior flexibilidade à política do filho único. Numa primeira etapa, cinco províncias do país serviriam de teste. E se der certo, o projeto se estenderá a todo território chinês até 2020.

Apesar de o vice-premier chinês não ter detalhado as possíveis mudanças na lei, algumas alterações já foram colocadas em prática: a autorização para o nascimento de um segundo filho se o primeiro for mulher, a permissão aos casais formados por um ou dois filhos únicos de terem um segundo bebê, a proibição do uso sistemático da ultrassonografia para selecionar o sexo e a forma de financiamento do planejamento familiar, o que não compete mais às autoridades regionais - suspeitas de forçar os abortos -, mas ao poder central.

Quase 300 milhões de pré-adolescentes

Em 30 anos, a política do filho único fez numerosos estragos e modificou profundamente as estruturas da sociedade chinesa. Segundo estatísticas oficiais, 400 milhões de nascimentos foram evitados. A primeira consequência foi o aumento gradual do PIB, favorecendo o surgimento de uma classe média que conta hoje com cerca de 790 milhões de pessoas (57% da população). Também tirou da pobreza absoluta cerca de 450 milhões.

Segundo o professor da Academia de Ciências Sociais Wei Ping, as consequências da política do filho único não se limitam aos problemas demográficos, psicológicos e econômicos.

- Elas transformaram radicalmente a cultura, o comportamento e as relações entre os chineses.

Como muitas mulheres de sua geração, a pesquisadora Wang Xuefei, nascida em 1985, não quer ter filhos porque está mais preocupada com a carreira do que com uma futura família.

- Tive uma infância feliz, embora seja filha única. Fui criada por meus avós. Desde pequena considerei que as primas da minha idade eram minhas irmãs, e, por isso, não senti falta de um verdadeiro irmão. Mas desde que a China iniciou o processo de transição econômica e que a palavra de ordem é enriquecer, minha preocupação maior, como da maioria dos meus amigos, é ser bem-sucedida profissionalmente, ganhar bastante dinheiro e melhorar o nível de vida - explica a chinesa.

Atualmente, a China contabiliza cerca de 270 milhões de pré-adolescentes com menos de 14 anos, o que representa 20% da população total onde 142 milhões são meninos, 125 milhões são meninas, sendo 100 milhões filhos únicos. As consequências desta situação são dolorosas tanto para os jovens casais quanto para as crianças.

Além de se limitarem a um único filho, os pais são obrigados a aceitar outros controles impostos em função de coeficientes populacionais decididos pela lei. Em outras palavras, "o dia e a hora" do parto não dependem do livre arbítrio dos genitores, e sim do planejamento oficial, que não quer excesso de nascimentos no mesmo mês e no mesmo ano. Para chegar a tal resultado, os partos naturais foram descartados e somente as cesarianas são admitidas, de modo que 97% das gestantes têm filhos por meio de cirurgias. Quanto à gravidez que não ocorre no período previsto pelo coeficiente do planejamento, seu destino é o aborto.

Nascida em 1976, Gu Manxi vive em Pequim com o marido, Zhou, e o filho, Yan. Como ambos pais são filhos únicos, eles poderiam ter mais um bebê, mas Gu preferiu não ter.

- Sofri muito na infância por ser filha única. Sofri, sobretudo, com a solidão, pois meus pais trabalhavam e me deixavam sozinha em casa, sem ninguém para brincar comigo. Não desejo que meu filho sofra. Por isso, não trabalho e o coloquei cedo no jardim da infância. Não quero outro filho por razões econômicas. Custa caro educar um, quanto mais dois - confessa.

A "política do filho único" foi proposta à nação em 1980 por Deng Xiao Ping, líder indiscutível das reformas que marcariam a transição da China comunista para uma economia de livre mercado. Na época, a medida tinha caráter temporário, não devendo ultrapassar o prazo de uma geração.

Os motivos invocados por Deng eram vinculados ao pacote de reformas que propunha ao país, conhecido como "as quatro modernizações". Ele julgava que o crescimento demográfico excessivo tornaria escassa a divisão dos frutos do desenvolvimento econômico. Deng optou, então, por uma linha de controle da demografia autoritária e repressiva, muito a seu estilo.

A tendência da geração pós-década de 1980, alvo principal do controle da natalidade, é não querer ter filhos, o que nunca foi admitido na China em tempos passados porque a regra social é "dar continuidade à genealogia". Aos 28 anos, o marqueteiro Sun Yi argumenta que, apesar de ter tido uma infância feliz por conta da companhia de numerosos primos, não quer ter filhos. Segundo ele, com a imposição da lei, as famílias estão cada vez mais reduzidas.

- Prefiro não participar do processo - afirma.


O Globo

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